A Comissão Nacional Eleitoral de Angola (sucursal do MPLA) definiu hoje – tal como ordem superior oriunda do patrão – um limite de dois mil observadores nacionais às eleições de 24 de Agosto, que terão até 30 dias antes das eleições para seguirem os passos necessários neste processo.
“Para efeitos de reconhecimento e acreditação de Observadores Eleitorais Nacionais, a Comissão Nacional Eleitoral fixa a quota de até 2.000 observadores”, lê-se no artigo 7º do Regulamento sobre o Reconhecimento e Acreditação dos Observadores Eleitorais, publicado na segunda-feira em Diário da República.
No texto, explica-se que por observador nacional entende-se “as organizações, os indivíduos ou entidades nacionais, legalmente reconhecidas para observarem o processo eleitoral”. Não se sabe muito bem a diferença entre organizações e entidades, mas parece certo que uma organização pode não ser uma entidade, tal como uma entidade pode não ser uma organização.
Assinado pelo presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Manuel Pereira da Silva “Manico”, o diploma explicita que para a credenciação é necessário “ser um cidadão nacional ou estrangeiro com experiência, idoneidade e prestígio reconhecido, ter sido convidado nos termos da lei, estar incluído nas quotas definidas pela CNE, nos termos previstos na lei, e aceitar a área de observação indicada”.
Para os cidadãos que o MPLA (no poder há 46 nos) considere angolanos e que residam no estrangeiro, “o exercício do direito de voto observa os seguintes princípios: prévia inscrição consular, inscrição no caderno eleitoral, titularidade e posse do Bilhete de Identidade ou Passaporte, responsabilidade, unidade do dia da votação geral, segurança eleitoral e transparência”.
No diploma que também foi publicado na segunda-feira, determina-se que para poder votar “é necessário que esteja regularmente inscrito como eleitor num caderno eleitoral específico, seja titular do Bilhete de Identidade, Cartão de Eleitor ou Passaporte angolano e não esteja abrangido por incapacidade eleitoral activo nos termos da lei”. Em caso de dúvida, basta a apresentação de cartão de militante no… MPLA.
As mesas de votos estarão nas missões diplomáticas e consulares e as eleições realizam-se no mesmo dia das eleições gerais.
O decreto presidencial que convoca as eleições entrou em vigor em 6 de Junho.
Angola vai escolher (isto é como quem diz!) pela quinta vez, desde 1992, e a quarta consecutiva, desde 2008, o cabeça-de-lista do partido mais votado e que, assim, ocupará o cargo de Presidente da República, bem como os representantes da Assembleia Nacional.
O chefe de Estado angolano, João Lourenço, eleito em 23 de Agosto de 2017, volta a ser o cabeça-de-lista do MPLA e dessa forma recandidata-se a um segundo mandato.
Diáspora angolana ou diáspora do MPLA?
O jurista e comissário Nacional Eleitoral, Cremildo Paca, disse que a participação dos angolanos da diáspora nas eleições de 2022 é uma “grande conquista” do processo democrático, acreditando que a adesão será significativa.
Cremildo Paca lembrou que, fruto da revisão constitucional de 2021 que consagra, pela primeira vez, esta possibilidade, os cidadãos angolanos (sobretudo os que passaram no crivo da angolanidade “made in MPLA) residentes no estrangeiro poderão votar, desde que tenham feito a actualização do seu registo eleitoral.
O responsável considerou, à margem do Seminário Internacional sobre a Votação Antecipada e a Votação no Exterior, que este “imperativo constitucional e de cidadania” é uma grande “conquista” do processo democrático angolano, permitindo a participação no acto eleitoral de todos os que tenham feito 18 anos à data de 24 de Agosto e que, repita-se, caibam na definição de angolano imposta pelo partido que está no poder há 46 anos, o MPLA.
Sobre o baixo número de eleitores registados no estrangeiro – cerca de 30 mil quando as previsões iniciais apontavam para 450 mil – apontou “vários condicionalismos” que explicam o reduzido número, entre os quais o facto de a actualização ter sido feita durante o período da Covid-19, com dificuldades a nível de mobilidade. Mentira, é claro. São muito menos porque a grande maioria não passou no tal crivo do MPLA. Uns porque reconhecidamente não são adeptos do MPLA, outros porque o MPLA nunca permitiu que fossem considerados angolanos.
Por outro lado, e pelo facto de ter sido feito pela primeira vez, “alguns angolanos não tinham os documentos” e outros actualizaram-nos já depois do processo ter sido concluído. Isto já para não falar dos milhares de angolanos que o tentaram fazer há dezenas de anos.
O especialista do MPLA (portanto angolano de primeira) realçou que a expectativa é de que o processo “decorra com tranquilidade” e que permita que os angolanos na diáspora votem para escolher os seus representantes, acreditando que a adesão vai ser significativa: “Penso que sim, por isso é que fizeram a actualização (do registo)” disse, apelando à participação de todos. Provavelmente, na diáspora o MPLA terá uma vitória esmagadora já que os inscritos são na sua maioria cidadãos formados e formatados pelo MPLA.
Questionado sobre a participação de observadores estrangeiros, nomeadamente europeus, nas eleições gerais marcadas para 24 de Agosto, Cremildo Paca sublinhou que a lei angolana permite a observação eleitoral.
“Nos prazos que a lei consagra, as organizações interessadas em fazer observação eleitoral devem comunicar à CNE a sua intenção. Não há nenhuma proibição a nenhuma entidade, quer União Europeia, quer outra entidade estrangeira ou regional. O que deve ser feito é a comunicação da intenção nos prazos fixados por lei”, indicou.
Não há brancos na nossa diáspora em… Portugal?
No dia 25 de Novembro de 2018, a ministra da Cultura angolana, Carolina Cerqueira, afirmou em Lisboa que Luanda iria tornar-se, em 2019, a capital mundial da paz e da amizade entre os povos dos cinco continentes e a diáspora.
Discursando durante uma confraternização com artistas e representantes devidamente seleccionados da comunidade angolana em Portugal, no âmbito da Semana Cultural de Angola em Portugal, Carolina Cerqueira indicou que o convite foi feito pela Directora-Geral da UNESCO, Andrew Azulay, durante a visita do Presidente João Lourenço à sede da instituição, em Julho de 2018.
Segundo a governante, João Lourenço, que regressara nesse dia a Luanda após a visita de Estado que efectuou a Portugal, aceitou o convite “de imediato” e garantiu todo o apoio para o sucesso do evento.
“A escolha de Angola comprova o respeito e credibilidade que o nosso país goza a nível internacional na defesa da paz, da amizade e fraternidade entre os povos, assente numa base de diálogo, de mutualismo e de concertação”, sublinhou Carolina Cerqueira.
Nesse sentido, e dirigindo-se à plateia, a ministra da Cultura angolana apelou aos membros da diáspora para “continuarem a dignificar” Angola nos actos e iniciativas que contribuam para “reafirmar a grandeza da alma e identidade angolanas, através de modelos de resiliência, generosidade e determinação, qualidades que os caracterizam”.
Para Carolina Cerqueira, o novo ciclo político que o país conhecia “requer de todos o patriotismo e o comprometimento com a defesa do bem comum e do interesse nacional”.
A semana cultural em Portugal, em saudação à visita do presidente João Lourenço, contou com várias manifestações culturais como moda, gastronomia, música, pintura, dança, artes plásticas e literatura, que contaram, entre outros, com a participação de artistas como Waldemar Bastos, Té Macedo, Nadir Tati, Etona, Edy Tussa, Maria Borges, Rose Palhares e Guilherme Guizefe.
Carolina Cerqueira salientou – como acima se escreveu – “o respeito e credibilidade que o nosso país goza a nível internacional na defesa da paz, da amizade e fraternidade entre os povos, assente numa base de diálogo”, apelando também aos membros da diáspora para “continuarem a dignificar” Angola nos actos e iniciativas que contribuam para “reafirmar a grandeza da alma e identidade angolanas, através de modelos de resiliência, generosidade e determinação, qualidades que os caracterizam”.
Diáspora significa “dispersão de um povo ou de uma comunidade ou de alguns dos seus elementos”. Ora então, pelo que se viu por mais este exemplo, não há brancos na diáspora angolana em Portugal. Ou há mas são “persona non grata” para o MPLA?
Ser ou não ser… angolano
Vejamos um depoimento feito ao Folha 8 mas cujo anonimato mantemos por razões óbvias, desde logo porque o autor não é do MPLA, e que aqui foi publicado no dia 14 de Novembro de 2018:
“Eu como sou branco e filho de portugueses não posso ter a nacionalidade Angolana por embora ter nascido em Angola, ser na lógica da actual direcção do país, filho de cidadãos estrangeiros. Ora de facto, à data da independência, e face ao direito internacional, não havia angolanos, todos eram portugueses.
No fundo para muita daquela malta (negra), que aliás faz gala de se intitular genuína, nós os brancos nados em Angola não somos angolanos. Para ser angolano teria de andar a dizer ámen ao MPLA e ser mais negro do que os negros. Mas eu sou branco e culturalmente não tenho nado de bantu. É a vida. Ou se assume um país multirracial ou não. E os ditos genuínos, claramente não assumem tal conceito de um país multirracial. Eu pertenço à tribo branca, mas como em Angola não existiu nem nunca existirá um Mandela, a tribo branca está condenada ao ostracismo.
Os tais auto-intitulados genuínos não perceberam que o conceito de angolanidade apareceu por oposição ao conceito de portugalidade. E que até à chegada dos portugueses àquelas regiões, não havia Angola, mas uma série de reinos que se guerreavam. Angola, goste-se ou não da ideia, é uma criação do colonialismo português com todas as implicações, culturais, sociais, históricas e rácicas, sejam elas boas ou más. É a História. Mas há muito boa gente que quer apagar tal passado apropriando-se do tal conceito de genuinidade. Mas depois bem que colocam o graveto na terra dos tugas. Enfim, tudo como dantes…
Um exemplo do racismo negro foi o que se passou com o Viriato da Cruz, mulato, dirigente do MPLA e um dos maiores intelectuais angolanos. Mas como não era negro, vulgo genuíno, lá teve de entregar a direcção do movimento ao anormal e criminoso do Agostinho Neto, que era genuíno quanto bastava.”
Tomamos, aliás, a liberdade de recontar um episódio passado no dia 28 de Julho de 2007.
Nesse dia, na Faculdade de Economia do Porto realizou-se uma conferência sobre o processo eleitoral em Angola. Caetano de Sousa, presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), foi o orador principal do evento ao qual compareceram cerca de 200 angolanos de primeira e mais meia dúzia de segunda.
Com uma hora de atraso, o encontro começou com o aplauso da assistência à entrada do então Embaixador de Angola, Assunção Afonso Sousa dos Anjos, bem como das cônsules em Lisboa e no Porto, respectivamente Elisabeth Simbrão e Maria de Jesus dos Reis Ferreira, e ao orador convidado.
Por deficiências sonoras, que nada preocuparam a assistência, pouco se percebeu do que disse o Embaixador ou do que afirmou Caetano de Sousa. Também é certo que, diga-se em abono da verdade, que abandonámos a sessão no início da intervenção do presidente da CNE.
E abandonámos a sessão porque descobrimos que, afinal, o nosso lugar não era ali. E descobrimos isso graças à oportuna explicação de gente ligada à organização, presumimos que do Consulado no Porto.
Explicamos. No meio dos tais 200 cidadãos presentes estavam pouco mais de meia dúzia de brancos. Durante a sessão, algumas pessoas foram distribuindo pela assistência um pequeno papel que tempos depois recolhiam. Presumimos que se tratava de perguntas sobre o processo eleitoral e destinadas aos oradores.
Reparamos então (talvez por deficiência profissional) que esses papéis não eram entregues aos cidadãos brancos que, se não eram angolanos eram, pelo menos, amigos de Angola. Não cremos que estivessem ali como penetras apenas para o faustoso beberete que estava a ser montado para o fim da festa.
Interpelámos então uma das pessoas que distribuía os ditos papéis, perguntando-lhe se não tínhamos direito a um deles.
A resposta foi clara e inequívoca:
“- Isto é só para angolanos”.
A tradução desta afirmação é fácil, já que nenhum dos 200 cidadãos presentes trazia qualquer rótulo a dizer: “Sou angolano”. Ou seja, queria dizer: “Isto é só para angolanos negros”.
Assim sendo, e porque somos angolano… mas branco, não tivemos outro remédio que não fosse abandonar a sala. Tristes, é certo. Magoados, é claro. Mas como nada nos é possível fazer quanto ao local em que nascemos, ao país que amamos, e muito menos quanto à nossa cor, a solução foi ir embora.
Folha 8 com Lusa
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